Qual o melhor samba de enredo do Carnaval Capixaba 2018. Essa pergunta, que além de dúvidas, remete a discordâncias, é feita todos os anos. E eu, com base em minha experiência de compositor, comentarista e pesquisador de carnaval, tento responder. Claro, deixando de lado qualquer favorecimento (pessoal ou por alguma agremiação), e com base em minha subjetividade, meu repertório.
Gosto se discute? Depende. Para analisar os sambas deste ano, assim como fiz em anos anteriores, ouvi incansavelmente cada obra, li o enredo (quando disponível), analisei a letra e a melodia. Mas lembrem-se. Não sou jurado. Sou apenas um apaixonado pelos desfiles das escolas de samba, em especial, pelo quesito samba de enredo. E para quem não sabe, deve ser julgado em duas vertentes principais: letra e melodia.
Em 2018, apesar das turbulências políticas envolvendo o carnaval, as escolas apostaram em bons enredos. Originais ou históricos, se tudo der certo, os foliões vão poder acompanhar no Sambão do Povo desfiles deslumbrantes.
Espero que gostem da analise. Boa sorte para todas agremiações e um bom carnaval para todos nós.
Confira a analise dos sambas do Grupo Especial:
Andaraí
Enredo: “Quem conta um conto aumenta um ponto com a certeza de quem viu! Mas não leve tão a sério é 1° de Abril”
NOTA: 9.9
A escola da Grande Maruípe apresenta em 2018 um dos enredos mais originais do carnaval. Assunto que, se bem desenvolvido, pode render um grande desfile para a agremiação.
Gosto de muita coisa no samba da Andaraí, a começar pela introdução escolhida, o sucesso de Erasmo Carlos, “Pega na Mentira”, exaltado nos versos “Pega na mentira/ Pega na mentira/ Corta o rabo dela/ Pisa em cima/ Bate nelaa/ Pega na Mentira”.
O samba, que é bem animado, começa com um refrão poderoso e introdutório. Na primeira parte do samba, o trecho “Sou descobridor do “descoberto”/ No universo do incerto/ O que é verdade, o que podemos afirmar?, se destaca tanto pela letra quanto pela ótima melodia.
O refrão do meio, que compreendo a forma que se encaixa dentro do contexto do enredo, não me agrada tanto, principalmente pela sobreposição da voz feminina na faixa. Na segunda parte, o samba mantém a “pegada”, finalizando de forma competente.
O carro de som, comandado por Lauro, teve ter atenção ao trecho “Embarquei com emoção/Entrei nesta onda, eis a confusão”, para não comer o “i” do entrei, e com isso, ocasionar um erro de concordância, dar um novo sentido a frase.
O que mais me incomoda no samba, talvez em razão da sinopse construída para os compositores, é a forma como o samba levanta questionamentos, mas não apresenta respostas. Acho que grande parte do público, que não leu (e nunca irá ler) o enredo, terá enormes dificuldades em entender sobre o que a escola está falando. Mas não tenho dúvidas que o samba possui todos os méritos para sacudir o Sambão do Povo e ajudar em um grande desfile da Andaraí.
Pega no Samba
Enredo: “Na celebração ao chocolate, a locomotiva dá um show!”
NOTA: 9.7
A Pega no Samba fala em 2018 sobre o chocolate. Um tema pouco original, mas que possui todos os “ingredientes” para conquistar o público e os jurados.
O refrão principal, totalmente funcional, exalta a escola, a comunidade e apresenta o enredo. A primeira parte, repleta de recortes melódicos (como se fossem feitos separadamente e depois encaixados), não me agrada. Também me incomoda o primeiro trecho do samba, que começa na terceira pessoa, e finaliza na primeira pessoa (Cultuando as tradições/Deu um tom especial/ Entre maias e astecas, sou cacau!).
Já o refrão do meio, forte e criativo, é a melhor parte do samba (Misturar com leite, pra sentir esse frescor/ Ouro branco, negro preparado com amor/Doce, ou amargo é especial/A receita do meu carnaval). Na segunda parte, gosto principalmente do seguinte trecho: “E quando amanhecer/ É chegada a hora da nossa vitória/ O povo na palma da mão/ Nossa escola feliz a cantar/ Espirito Santo cacau, vamos festejar”.
Pouco surpreendente, em letra e melodia, o samba do Pega para 2018 é funcional. Não encanta, mas pouco compromete.
Unidos da Piedade
Enredo: “Pra não dizer que não falei das Flores”
NOTA: 9.8
Das trevas, fez-se a luz. Flores enfeitam e perfumam o paraíso. Estas são algumas das frases da sinopse do enredo da Piedade para 2018. “Pra não dizer que não falei das Flores”, exalta o perfume, a beleza e a trajetória inspiradora das flores. Tão presentes em versos de poema, nas letras das músicas, nas artes e na religião. Na vida e na morte. Resumindo, o enredo da Piedade é um dos melhores do ano e pode render um grande desfile para a agremiação.
Antes de analisar o samba, um adendo. Nada contra o samba vencedor do concurso da agremiação, que definitivamente é um dos melhores do ano, mas é uma pena o samba de Herlon “Moleque” do Banjo e Renilson Rodrigues, finalista da disputa, ter ficado de fora do carnaval. Poético, e repleto de momentos memoráveis, acredito que durante muito tempo os foliões vão lembrar do refrão principal “ Eu vou descer o morro de ponta cabeça/ Antes que eu esqueça, Antes que eu me esqueça/Vou levar flores para escola do meu coração/ Oh Piedade você é minha paixão’. Sendo assim, segue o fluxo…
Voltando a obra que será responsável pelo desfile da Piedade, incomoda-me a longa duração da introdução do samba. Entre cacos, gritos de guerra e o trecho “que pena/que pena/ quem não for Piedade/ Esse ano vai ter que pena”, que por acaso é excelente, passa de um minuto e vinte de duração. Se o objetivo da gravação do samba de enredo é divulgar a obra, torna-se desnecessária toda essa firula?
O primeiro refrão, que é bom, e serve com introdução para o samba/enredo, me deixa uma dúvida: raiz desabrocha?
A primeira parte do samba é irretocável. Ótima letra e boa melodia, com destaque para o trecho “Na valsa das flores, tão belas as cores/ Perfume delicado e fugaz”. O refrão do meio, também de qualidade, possui uma letra poética, mas peca no trecho “Ver a sutileza de um beija-flor/Cortejando orquídeas ao luar”, já que o beija-flor não é ativo após o entardecer. Sendo assim, o cortejo de uma orquídea ao luar é praticamente impossível. Mas compreendo a licença poética.
Também vale registrar a ótima atuação do interprete Kleber Simpatia, que estreia na Piedade em 2018. Só uma ressalva em relação ao trecho “Nos versos/ nas lendas encanta” que fica um pouco incompreensível na gravação. Fora isso, a segunda parte do samba faz uma ótima conexão melódica entre o encerramento (Divino é ver um novo dia/ Florir essa avenida de alegria), e o retorno para o refrão principal.
Independente de Boa Vista
Enredo: “Sou Boa Vista… Sou Madiba. O canto da igualdade que ecoa no Centenário de Mandela”
NOTA: 9.7
A atual campeã do Carnaval Capixaba, a Independente Boa Vista, terá como enredo em 2018 Nelson Mandela, o líder sul-africano que foi responsável pela reconciliação entre negros e brancos no país africano. Será que a escola novamente irá brigar pelo título com um enredo biográfico. Assim como foi com Elisa Lucinda?
Entre os compositores do samba estão o interprete/presidente Emerson Xumbrega, Ciraninho, Myngal e o consagrado Diogo Nogueira. Realmente um time de peso. Mas será que samba está no nível dos compositores?
O refrão principal não surpreende ou empolga, sendo apenas funcional. A primeira parte da obra, assim como todo o samba, transmite o enredo com qualidade, com boa letra, mas peca pela falta de originalidade na melodia. Com isso, o samba não empolga e não encanta. Só ressaltando ainda mais a sua intenção de ser um samba funcional.
E a melhor parte do samba é sem dúvida alguma o refrão do meio “E assim vamos nós/Em uma só voz/ No mesmo ideal de igualdade/ Meu canto é forte comunidade/ Liberdade!”.
Mocidade Unida da Glória
Enredo: “Entre confetes e serpentinas, uma paixão sem igual… Olhares que se cruzam, bocas que se beijam… Amores no Carnaval”
NOTA: 10
Novamente a Mocidade Unida da Glória irá levar para o Sambão do Povo, em 2018, um samba de autoria de Diego Nicolau e Dudu Nobre. Alias, também devo exaltar a originalidade e riqueza do enredo, um dos melhores do ano. E com a estrutura que a agremiação da Glória possui, pode render um desfile de grande qualidade plástica, claro, se for utilizado com o auxilio de uma palavra mágica: criatividade.
Já começo a analise apontando para o erro que é a interminável introdução do samba na gravação oficial. O que é isso? Mais de um minuto e trinta de grito de guerra, cacos, alusivo. Sinceramente, isso não é nem um pouco necessário.
Mas falando do samba 2018, apesar da simplicidade da letra e da melodia, o primeiro refrão da MUG merece destaque, é realmente empolgante.
A primeira parte do samba é um primor, tanto em letra quanto melodia. E o refrão do meio? Fantástico. Garantia de levantar o Sambão do Povo e conduzir os foliões da MUG com muita energia durante o desfile oficial.
Na segunda parte do samba, a qualidade é mantida. Letra criativa e original. Um ótimo samba para colocar a MUG novamente como uma das grandes favoritas ao título do Carnaval Capixaba.
Novo Império
Enredo: “No vai e vem do mar, lá se vão 100 anos do Sindicato da Estiva”
NOTA: 10
A Novo Império tenta repetir em 2018 o bom desfile do ano anterior. Mas estou achando a escola de Caratoíra tão tímida esse ano. Será que as pretensões são as mesmas do ano passado: brigar pelo título com a ajuda do enredo sobre o Sindicato da Estiva?
O refrão principal não surpreende. É o chamado refrão “passagem”. Até que possui força, mas apenas serve de link para o folião. É uma ponte entre a finalização da obra e a primeira parte do samba. Fala sobre a escola e o enredo, mas sem destaque.
A letra do samba é boa. Interpreta o enredo com qualidade e em alguns momentos, com criatividade. Talvez o ponto alto da obra seja o refrão do meio, esse sim empolgante e bem construído: “Bate o tambor que chegou a marinhagem/ Damas, cassinos, boêmios, malandragem/ A orquestra da o tom em uma só canção/ Hoje é noite de fascinação”.
A segunda parte do samba também é ótima. Boa letra, melodia empolgante e o trecho “Meu paraíso não existe nada igual/É lindo ver o trabalho a beira do cais/ Todos num só coração, chegou a estiva guerreira/ Novo Império é raiz, bate no peito e diz”, é ótimo.
Unidos de Jucutuquara
Enredo: “Ambrósio”
NOTA: 9.8
Tá na rima, tá na cara. A Unidos de Jucutuquara está de cara nova em 2018. Novo intérprete, Ricardinho de Oliveira, novo primeiro casal de mestre sala e porta-bandeira, e também novo carnavalesco, o consagrado, e atual campeão do Carnaval Capixaba, Petterson Alves. Com um enredo afro, que homenageia Ambrósio, um líder de quilombo que viveu em Minas Gerais, a escola pretende brigar pelo título do carnaval.
A introdução da Jucutuquara também passa de um minuto e vinte. Precisa disso? O samba da agremiação, no todo, é bom. Um samba técnico, com letra forte, melodia dolente, entretanto, pouco surpreendente. Em suma, totalmente condizente ao enredo. Isso é legal. Quando o samba capta e transmite o enredo. Imagina um samba “pra cima”, não iria combinar de forma alguma.
O refrão principal exalta a escola e o enredo, mas sem grande brilho. A primeira parte, como já havia dito, tem na letra o seu ponto forte. Mas a melodia não encanta, não surpreende. Tão comum quanto tantas outras.
O refrão do meio, de resposta, é bom. Talvez o momento mais empolgante do samba. “Coragem… Valentia e resistência/ Renasce… Guardião da negra essência/ Ê Malungo, Ê… Salve o rei de paz/ Vozes da África saúdam orixás”.
Resumindo, o samba da Jucutuquara para 2018 é uma obra técnica. Representa o enredo com qualidade, melodia funcional e dois bons refrãos. É o típico samba difícil de perder nota na avenida. Mas em contrapartida, não empolga, não brilha e não encanta. É correto. Mas a distância entre ser correto e ser brilhante é muito longa.
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