Não é segredo para ninguém que o lugar que eu mais amo e admiro nesse Estado são os morros da Piedade e Fonte Grande. Afinal, por ser nascido e criado nestes lugares, carrego em mim todas as lembranças da infância, das mais belas experiências, enfim carrego o samba desse território sempre em minha vida.
Nesse artigo vou explicitar um bar, que ultimamente tem deixado vivo uma das mais importantes tradições e manifestação cultural capixaba, o samba e suas rodas (de samba), num lugar especial na cidade de Vitória, o território do samba capixaba (Morros da Piedade e Fonte Grande).
Trata-se do Bar do Rominho ou para os mais chegados "Cascavel", filho de fundadores da Unidos da Piedade, os saudosos Marlene Fonseca e Romulo Nascimento (primeiro presidente da agremiação em 1955). A senhora Marlene, que tenho um carinho especial, foi quem me descobriu como Mestre Sala e deu oportunidade para que na Piedade eu pudesse demonstrar o talento que tinha. Retribuí a ela, deixando-a feliz com nossos resultados na avenida. Dona Marlene, na Unidos da Piedade, foi a primeira-dama, mas também, baiana, vice-presidente, defensora assídua da história da escola e da participação comunitária na agremiação. Marlene trabalhou como merendeira de escolas da região, por isso era conhecida farta das crianças e adolescentes dos morros do Centro. À senhora Marlene, sou imensamente grato, infelizmente nos deixou há alguns anos.
Rominho, herdeiro de bambas, faz o legado de seus pais serem eternamente lembrados por todos no território do samba capixaba e ainda no cenário carnavalesco do Espirito Santo. Professor da rede estadual, nos finais de semana, se dedica a abrir seu bar na Rua Maria Saraiva, (em frente ao badalado Bar da Zilda), com uma roda de samba das boas, daquelas que nos levam ao passado e que fortalecem as nossas raízes e tradições.
Com um projeto que intitulou "Circuito do Samba", todos os sábados as 17h, apresenta um artista popular/cavaquinista diferente, reconhecido em nosso mundo do samba, que ganham a oportunidade de mostrarem suas artes musicais. Além do convidado especial de cada sábado, se revezam na roda de samba prazerosa e intensamente democrática, moradores das comunidades que se expressam por meio dos instrumentos musicais ou no microfone com os mais diversos sambas que já embalaram desfiles da escola de samba local ou de compositores anônimos ou reconhecidos da música popular brasileira. O fato é, esse bar "respeita, quem pôde chegar" aonde chegou.
No espaço aconchegante (pequeno e caloroso) do bar, os frequentadores se (re)encontram de forma descontraída para ali se confraternizarem e de certo modo reafirmarem suas posições socioculturais em uma sociedade que se globaliza a cada instante, perdendo as instâncias do diálogo próximo, do abraço, do aperto de mão e até mesmo da gentileza, porém no bar do "Cascavel", que tenho colocado na minha agenda todos os sábados, para encerrar ou iniciar a semana da melhor forma possível, (re)encontrando as minhas origens, os grandes amigos e (re)viver o ar da simplicidade e do samba na veia.
O geógrafo Milton Santos (2011), em suas produções acadêmicas, afirmava que um lugar é identificado como território que é construído pelas pessoas, com suas potencialidades e possibilidades de construção de redes. O território é, segundo Santos, o campo de atuação da convivência e da coexistência nos lugares, que o autor define como espaços do acontecer solidário.
Entre os sambas que mais são cantados no projeto "Circuito do Samba", estão os que ligam a tradição, a religiosidade, e ao encontro de identidades imbricados nas relações cotidianas das comunidades do território do samba. Os sambas entoados fazem ali um diálogo intrínseco com o dia a dia de cada indivíduo que se confraternizam no espaço de sociabilidade, que se tornou o bar do "Cascavel"
Ao finalizar este compartilhamento de sentimento do lugar que vim, chama a atenção o samba de Jorge Aragão, que também apareceu em todas as edições do da roda de samba quando tive a oportunidade de frequentar, a canção "Moleque Atrevido" do referido compositor, se alinha com o caminho que Rominho tomou e que não deixou morrer aquilo que seus pais sempre se dedicaram, o samba!
Parabéns Rominho, já antecipadamente, confirmo presença em outras edições do Projeto "Circuito do Samba", que é um verdadeiro sucesso.
Quem foi que falou
Que eu não sou um moleque atrevido
Ganhei minha fama de bamba
No samba de roda
Fico feliz em saber
O que fiz pela música, faça o favor
Respeite quem pode chegar
Onde a gente chegou
Também somos linha de frente
de toda essa história
Nós somos do tempo do samba
Sem grana, sem glória
Não se discute talento
Mas seu argumento, me faça o favor
Respeite quem pode chegar
onde a gente chegou
E a gente chegou muito bem
Sem a desmerecer a ninguém
Enfrentando no peito um certo preconceito
e muito desdém
Hoje em dia é fácil dizer
Que essa música é nossa raiz
Tá chovendo de gente
que fala de samba e não sabe o que diz
por isso vê lá onde pisa
Respeite a camisa que a gente suou
Respeite quem pode chegar onde a gente chegou
E quando pisar no terreiro
Procure primeiro saber quem eu sou
Respeite quem pode chegar onde a gente chegou
(Música de: Jorge Aragão, Moleque Atrevido)
* Jocelino Júnior é Educador Social, mestre-sala e pesquisador de carnaval.
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