Falar sobre escolha de samba é sempre muito complicado. Envolve vaidades, orgulhos, julgamentos e, às vezes, até alguns palavrões. Falarei nesta coluna especificamente sobre dois sambas que vão concorrer no concurso de samba-enredo 2012 da MUG.
Diante dos questionamentos que podem surgir do fato de eu estar escrevendo somente sobre dois sambas e não sobre todos os 14, esclareço. Só posso analisar o que tenho em mãos, e foram somente dois grupos de compositores que tiveram a humildade de me enviar os seus sambas e pedir minha humilde e subjetiva opinião. Então, resolvi comparar os dois sambas, mas de pronto os adverti que não quero inimizades e nem beliscões depois, visto que tenho grandes amigos nos dois grupos! Os sambas que me foram enviados foram do grupo “Diego Nicolau, Maurício Bona, Claudinho Vagareza, e Thiago Brito” e “Leley do Cavaco, Renilson Rodrigues e Gustavo Fernando”. Chamarei de samba 1 e samba 2, respectivamente.
Como já fui jurado de escolha de samba na MUG e São Torquato e conheço os critérios, vou atribuir comentários (e não julgamentos) sobre os três aspectos que, geralmente são avaliados: LETRA, MELODIA e ADEQUAÇÃO À SINOPSE. Lembrando que, o aspecto melodia é bastante individual, do ponto de vista dos leigos. Como eu não sou “expert”, mas apenas sambista, vou apenas julgar a “agradabilidade” e harmonia dos sons, a não ser que haja uma barbaridade muito grande como uma cacofonia que estrague deliberadamente o samba, ou uma ambiguidade sonora muito grave, ou quem sabe até uma similaridade muito grande num dos sambas, que nos leve a associá-lo a um samba já existente.
Samba1
Parceiria : Diego Nicolau, Maurício Bona, Claudinho Vagareza, e Thiago Brito
Link para o áudio: http://www.youtube.com/watch?v=jiiXaDIbq_M
Letra
A letra deste samba cumpri seu propósito de explanar bem a vida de Luiz Gonzaga. Porém, vejo que o samba ficou um pouco desproporcional no que diz respeito à distribuição da informatividade. Ele vem numa seleção de palavras muito boa, nas três primeiras estrofes, aliás, o primeiro refrão é fenomenal, forte vibrante, que faz o samba ter um início animado.
É FESTA, AMOR! QUE FELICIDADE!
CAI NA FOLIA, NÃO SE "AVEXE" NÃO.
DE VERMELHO E BRANCO, MINHA MOCIDADE.
VEM EXALTAR O MESTRE GONZAGÃO
PUXA O FOLE, SANFONEIRO.
CHAMA O MUNDO INTEIRO QUE EU VOU VERSAR
A VIDA DESSE "CABRA BÃO", FILHO DO SERTÃO
QUE O "LUAR DE PRATA" VEIO ILUMINAR
LUIZ DO NASCIMENTO, UM "TALISMÃ" QUE EM EXÚ NASCEU.
"GONZAGAMENTE" GENIAL, PERNAMBUCANO ESPECIAL.
DO PAI HERDOU ACORDES
JOVEM TALENTO QUE O REISADO BATIZOU
"DE JANUÁRIO" MOSTRA SEU VALOR QUE DEUS ABENÇOOU
SEGUE O TRAÇO DO DESTINO, CANTADOR.
PELO MEU BRASIL MENINO, VAI BRILHAR.
FAZ DO RIO, MORADA E DA NOITE, CANÇÃO.
LEVA A SAUDADE NO SEU CORAÇÃO
Contudo, a última estrofe (a que está abaixo), me parece que a preocupação maior foi carregar com informações que estavam pendentes, prejudicando assim, a escolha esmerada de palavras, que poderiam ter sido mais trabalhadas, na busca de vocábulos que explorassem mais a sonoridade.
MEU "PADIM PADI CIÇO" GUIA A TUA ANDANÇA
"VIRA E MEXE" A EMOÇÃO NAS ONDAS DO RÁDIO SE TORNA HERANÇA
NO PALCO, É XOTE E XAXADO, É O CONSAGRADO REI DO BAIÃO.
O MUNDO ABRAÇA LIGEIRO ESSE VALENTE "LEÃO"
OH! MEU PÉ DE SERRA, MINHA "ASA BRANCA”.
JAMAIS IREI TE ESQUECER
SE AS "VOZES DA SECA" CALARAM É O SINAL QUE O AMOR VAI FLORESCER
OBS: bom, não está na letra, mas como é um grito do samba, quero comentar. No áudio deste samba, ouve-se ”Meu respeito eterno à minha Velha Guarda!”. Cabe salientar que a MUG não possui ainda Velha Guarda constituída (de fato), logo este grito, não encontrará seu referente (objeto no mundo real), o que poderá causar estranheza aos conhecedores da história da escola. Mas, isso é só um detalhe...
Melodia
Na melodia está o ponto mais alto deste samba, somente atropelada no último conjunto de versos que, como já disse acima, pareceu denotar uma preocupação demasiada com as exigências do concurso do que com o aspecto artístico. É um samba agradável de cantar, resguardadas as devidas proporções e críticas, e a principal delas é que os sambas deste grupo (todos dos últimos anos) têm uma melodia muito distante dos sambas autenticamente capixabas, e quase sempre muito parecidas com suas obras de anos anteriores. Trocando em miúdos, é um samba carioca, feito sob encomenda para uma escola capixaba e não um samba capixaba, embora tenha componentes capixabas no grupo.
Adequação à Sinopse
Na minha opinião, a sinopse têm sido o carrasco dos compositores. Na da MUG, particularmente, existe até o absurdo de estar em negrito as palavras ditas mais importantes, que devem ser usadas no samba! Então samba não é poesia, pois a condição primeira da poesia está na liberdade do criar! Quando se criam obrigatoriedades, a coisa sai do plano da arte cai no plano do trabalho braçal, escravo, amarrado. Penso que as sinopses deveriam ser dadas sem obrigatoriedades para os compositores, e o compositor que, dentro de sua liberdade, fizesse a melhor criação, estava no páreo. Simples. Mas voltando a esse samba, ele está bom, no quesito sinopse, ou seja, abriu mão do aspecto artístico e se enquadrou bem no trabalho braçal, diga-se de passagem, não por vontade dos compositores, mas, talvez, por exigência escola.
OBS: a cultura nordestina é tão vasta e poderia ser mais bem explorada, em detrimento de outras passagens que, podem ser exigências da sinopse, mas que nenhuma informação importante traz, como “um talismã que em exu nasceu...”, na minha opinião, uma frase para preencher espaço.
Samba 2
Parceiria : Leley do Cavaco, Renilson Rodriguês e Gustavo Fernando
Link para o áudio: http://www.youtube.com/watch?v=HiVnML885Ss
Letra
Indubitavelmente mais trabalhada, o que não quer dizer que não há correções a serem feitas. O samba apresenta um esquema de seleção de palavras respeitando a história em si, e resguardando a informatividade da letra como um todo. As palavras obrigatórias/importantes foram inseridas na letra, sem atropelo e com vistas a garantir uma boa fluência ao samba. É um samba com mais cara de capixaba, sem seguir a “régua do Rio de Janeiro”, que vem acabando com a característica de nosso modo de fazer samba. Sei que o samba é universal, mas em todas as regiões se respeitam as características locais e é imprescindível que não percamos nossas raízes. Outro aspecto a se observar nesta letra é o forte conteúdo intertextual (passagens que remetem a outras obras), o samba já se inicia com os acordes de “Asa branca”, e, logo após, o trecho “terra ardendo”, uma grande sacada, embora eu não saiba se, no original, caso ganhe, isso vá continuar.
RELUZ
RELUZ NO CHÃO RACHADO PELO SOL
A LUZ MAIS LINDA DO SERTÃO
ILUMINANDO MINHA MOCIDADE
SURGE A ESTRELA CADENTE RISCANDO O CANGAÇO
É DONA SANTANA COM LULA NOS BRAÇOS
REBENTO MATUTO MESTRE DO BAIÃO
O FILHO DO SERTÃO!
EITA BIXIN BOM CABRA DA PESTE
“O LEÃO DO NORTE” É REI DO NORDESTE
CEM ANOS EM GLÓRIA, QUE EMOÇÃO
SAUDADE, QUE BATE FORTE NO MEU CORAÇÃO.
“VAMO “OIA” A TERRA ARDENDO”, NA ENERGIA
QUE O MANTO VERMELHO E BRANCO, IRRADIA
O MEU CHAPÉU DE COURO É TALISMÃ DE BAMBA
E GONZAGÃO A MAJESTADE DO MEU SAMBA.
VEM
“VEM, QUE AS ANDANÇAS POR ESTE PAÍS”
TEM FESTANÇAS, CULTURA, RAIZ
NA SAGA DE UM NORDESTINO, GUERREIRO
O ORGULHO DE SER BRASILEIRO
NAS RÁDIOS...“VIRA E MEXE” UMA NOVA CANÇÃO
PERNAMBUCO E O “LUAR DO SERTÃO”
AO POETA TRAZ INSPIRAÇÃO
“OLHE PRO CEU ESTRELADO COMO ELE ESTA LINDO”
NO MANDACARU UMA FLOR VEM SURGINDO
PRA SER A DEUSA DO MEU CARNAVAL
COM FÉ NO PADIM PEÇO PROTEÇÃO
E NA AVENIDA A COROAÇÃO.
PUXE O FOLE SANFONEIRO
VAMOS LA QUE A HORA É ESSA
PRA LUIZ DE JANUARIO
BATERIA FAZ A FESTA
O SAMBA VAI ECOAR
POR TODA COMUNIDADE
CANTA MINHA MOCIDADE.
Também há referências mais explícitas a temáticas culturais nordestinas, como o cangaço, por exemplo. No geral, esta letra é mais rica na criação de imagens e pode propiciar melhor apresentação do enredo. Vejam, por exemplo, (nos trechos abaixo), a forma poética que foi usada a palavra obrigatória/importante “talismã”, neste samba, em oposição ao samba 1. Em qual dos sambas houve uma preocupação maior na harmonização poética da palavra, bem como na criação da imagem que favorecem a beleza da obra? Tirem suas conclusões!
“O MEU CHAPÉU DE COURO É TALISMÃ DE BAMBA
E GONZAGÃO A MAJESTADE DO MEU SAMBA.” (samba 2)
“LUIZ DO NASCIMENTO, UM "TALISMÃ" QUE EM EXÚ NASCEU.
"GONZAGAMENTE" GENIAL, PERNAMBUCANO ESPECIAL”(samba 1)
Melodia
Ambos os sambas são muito bons de melodia, cada um ao seu modo. Retomo aqui o argumento de manter as origens do samba capixaba. Este samba (samba 2) representa um samba capixaba da nova geração de compositores que vem emplacando grandes sambas nos últimos anos. Um samba feito aos moldes do sambista capixaba, sem bairrismo, mas juntando elementos de um e outro para resultar numa obra maior. O segundo refrão é infinitamente melhor que o primeiro. Não sei se foi em decorrência da métrica do segundo, que se adéqua mais à métrica restante da letra, ou se foi por que realmente as palavras estão melhor distribuídas no segundo. No geral, é um samba fácil de ser cantado e pode emplacar! Sabemos que ser bom no áudio é uma coisa, mas todos os sambas podem não se encaixar na bateria, perfeitamente. Mas, me parece que o samba 2 permite mais a criação de bossas à bateria.
Adequação à Sinopse
Os autores conseguiram dar uma escapadela do sistema engessado da sinopse e sincronizaram bem as palavras. Percebe-se que houve tempo hábil e disponibilidade para fazer o samba, sem correrias e atropelos. E ressalte-se que essa escapadela levou o samba para além dos limites da sinopse, o que é muito bom e pode dar margem a uma criação que extrapola os limites das palavras do texto, demasiado sintético, da sinopse. Concluindo, o samba está dentro da sinopse, porém do aspecto qualitativo, soube melhor sintetizar sem prejuízos o texto e transformá-la (a sinopse), num ótimo samba.
Conclusões Gerais
São dois excelentes sambas, e bem diferentes também. Todos os dois com aspectos positivos e negativos e têm chance de travarem uma briga boa se chegarem juntos à final. Acho que os sambas se prenderam bastante à sinopse e esqueceram que Luiz Gonzaga é fruto de uma cultura riquíssima. E falar dessa cultura seria falar dele, não seria contrário às regras. Porém, ambos preferiram dar mais ênfase ao aspecto biográfico de Luiz Gonzaga, deixando de lado os aspectos culturais e folclóricos do nordeste, terra que o formou enquanto ser.
Espero que os jurados sejam conscientes da importância de um bom samba para a escola. E a escola que, em contrapartida, colabore com a transparência e legitimidade do processo, principalmente mantendo os mesmos jurados até o fim do concurso. Isso é primordial!
Um Forte Abraço a Todos!
Wemerson Torres
* Wemerson Torres é diretor de comunicação da LIESES, funcionário público, colunista do site Viva Samba, formado em Letras pela UFES, pós-graduado em Língua Italiana pela UFES e Master pela Università di Torino/Itália.
Sugestões, críticas, elogios, etc. Entrar em contato via e-mail: wemersontorres@yahoo.com.br