Depois do passeio pela Cidade do Samba na capital carioca, embarcamos para a baixada fluminense rumo a Nilópolis. Meu santíssimo, que lugar longe. Teve um momento que até pensei que o motorista estava perdido, mas enfim chegamos. A recepção foi maravilhosa, um diretor que estava nos esperando nos acompanhou até o vestiário e nos falou que poderíamos ficar a vontade para conhecer a quadra, e ficamos, claro que não mexemos em nada, até por que o São Jorge Guerreiro estava lá do alto com sua lança lindo e iluminado vigiando e protegendo toda a quadra e o povo daquela comunidade. Quem disse que a Beija-flor é uma escola antipática esta simplesmente enganado, pois do porteiro ao Laíla diretor de carnaval passando por Neguinho da Beija-flor a Selminha Sorriso não tivemos nenhum problema, até porque simpatia não é sinônimo de “tentar agradar.” E como minha mãe me ensinou pra eu sempre pedir licença mas nunca deixar de entrar, tudo transcorreu tranquilamente.
 

A quadra é imensa e bem decorada, um vestiário enorme, piscina... Mas... Faltaram cadeiras e lixeiras. Enfim, ninguém é perfeito. Comemos um churrasquinho e passeamos pelos quatros cantos, não tem ar condicionado como a da Salgueiro, mas é bem ventilada. O povo começava a chegar para o ensaio. Baianas, passistas, crianças, ritmistas... Carnavalescos como o Cid Carvalho e a Maria Augusta também estavam lá presentes. Também chegou a Selminha Sorriso, primeira porta bandeira da azul e branco. “Carão” não se faz e nem se compra, já se nasce com ele, e a Selminha nasceu assim com aquele “carão” maravilhoso e feliz. E o mestre Laíla que não tem carão, mas tem comando, e que comando! Depois de passar o dia todo no barracão da Cidade do Samba, ainda tem pique para coordenarr o ensaio! Preferimos não abordar muito o pessoal para fotos porque era ensaio técnico e todo mundo estava muito envolvido, então era melhor não atrapalhar o trabalho desses profissionais do carnaval.
 

Chegamos num dia especial, pois várias pessoas estavam sendo homenageadas, inclusive o Carlos Castiglione prefeito da cidade de Cachoeiro do Itapemirm terra do “Rei”. Fim das homenagens que foram bem rápidas e objetivas, o mestre Laíla deu inicio aos trabalhos em quadra; o assistente de palco chamava as alas e ele fazia os acertos de como se posicionarem, sempre com muita firmeza em sua fala. E a Equipe Viva Samba observando tudo e o Anclébio Junior coordenador de carnaval da Cidade do Rei também não perdeu tempo com seus representantes das escolas de samba cachoeirense. Impressionou-me como que a comunidade da Beija-flor faz o dever direitinho, como eu gostaria de ver pelo menos em uma escola de minha cidade um diretor de carnaval com autoridade e autonomia para conduzir um ensaio assim. Um dos momentos que me chamou a atenção foi na hora que o Neguinho deu uma pausa e os apoios cantaram sozinhos, logo o Laíla percebeu que um microfone estava alto e falou com categoria: “aqui ninguém é melhor que ninguém os microfones tem que estar no mesmo tom, o único microfone alto aqui tem que ser o do Neguinho e pronto”. Realmente o chicote come naquela quadra. E o ensaio continuou na santa paz.
 

Além dos três casais da escola, o primeiro mestre-sala e porta-bandeira da Mocidade Independente de Padre Miguel também estavam lá ensaiando (não era apresentação, era ensaio mesmo) depois da homenagem que foi feita a eles. Conhecemos um grupo de compositores da Grande Rio muito simpáticos. Coisa muito interessante também, ensaio lá, é ensaio, não tem essa de passistas show, não tem essa de harmonia abrir para casal de mestre-sala e porta-bandeira se apresentar não. Até a rainha tem que ensaiar igual a gente grande e sem reclamar, muito diferente do que vemos em nossas quadras.
 

Bem, a escola passava ensaiando e o comandante Laíla observando tudo com olhos de lince, e a Equipe Viva Samba acompanhando de perto. Em vários momentos ele apontava para as pessoas que não cantavam o samba e as mandava cantar, chamava a atenção dos chefes de alas, da harmonia, um verdadeiro profissional. Como eu já tinha virado fã dele em dois mil e nove quando o mesmo veio a Vitória falar sobre harmonia e tivemos a oportunidade de almoçarmos juntos e ouvir sobre o seu trabalho na teoria, a prática então foi um verdadeiro espetáculo, adorei.
 
Fiquei tão envolvida com o ensaio da escola que tive até autorização do “comandante” para entrar nas alas, logo eu já estava ensaiando e fazendo coreografia com o pessoal da comunidade e dando a volta na quadra fazendo movimentos de samba com o “iê iê iê” dos anos sessenta, uma delícia, e eu vos falo; o samba-enredo da escola está uma maravilha, funciona perfeitamente e o povo cantando como se estivesse na avenida. Sem contar que também caí nas graças das queridas baianas. Se ficássemos até o final acho que a Equipe Viva Samba até receberia o título de cidadã nilopolitense ou beija-florense. Mas o melhor momento foi quando lá do palco o comandante pediu para que eu esperasse ali perto dele e apontou para o mestre de cerimônia que oferecesse a bandeira para eu beijar, confesso que fiquei meio abobalhada. A bandeira da escola já tinha sido oferecida a mim em outra ocasião que a Selminha veio a Vitória, mas não sei o que aconteceu naquela hora, só sei que me deu uma coisa, foram tantas “EMOÇÕES!”
 

E o ensaio continuou... Quadra lotada, gente feliz, cantando, sambando. Até as crianças que vão desfilar no carro alegórico tem que ensaiar. Não podemos afirmar que a Beija-flor será a campeã do carnaval, até por que os dez quesitos são disputados fio a fio na Marques de Sapucaí, mas a quadra está transmitindo além do profissionalismo, muita emoção. Detalhe: encontramos com um sósia do “Rei” vestido a caráter passeando pela quadra, o que não é nenhuma novidade, quem nunca viu um sósia do Roberto Carlos? Acho que até o Elvis Presley Rei do rock and roll perde em quantidade de sósias para o nosso capixaba que pela segunda vez virou enredo do maior espetáculo da terra. Em mil novecentos e oitenta e sete a Unidos do Cabuçú apresentou na avenida o enredo: “Roberto Carlos na cidade da fantasia” e infelizmente o resultado foi um amargo sétimo lugar.
 

Não pense vocês que a Beija-flor de Nilópolis é minha escola de coração porque não é, mas fico muito feliz em ver o belo trabalho e o empenho da comunidade para levar a escola até o sambódromo. Não pensem também que este tipo de ensaio pra mim é novidade porque também não é, pois já participei de um ensaio técnico na quadra da Portela em Madureira em mil novecentos e oitenta e quatro com o enredo: “Contos de areia” onde a escola homenageou a Clara Nunes e eu estava lá fazendo a coreografia do: “é cheiro de mato é terra molhada é Clara guerreira lá vem trovoada.” Não pensem vocês também que as escolas de Vitória não fazem ensaios técnicos, até por que lá nos “primórdios” a minha escola do coração Unidos da Piedade fazia este tipo de ensaio na rua Graciano Neves ( a palavra técnico nesta época era subjetiva no nosso mundo do samba). Sempre alguém doava a energia para o som funcionar que era muito precário na ocasião, e, detalhe; no dia do desfile a concentração era na própria rua e a escola passava pelo centro da cidade até chegar a avenida princesa Isabel já formada e com todo mundo cantando o samba. Bons tempos aqueles.
 

Hoje precisamos e devemos fazer ensaios técnicos sim, mas não vejo muito interesse por parte dos dirigentes das agremiações. Contamos nos dedos a escola que tem um diretor de carnaval atuante, os chefes de alas tem que confeccionar e vender fantasias, os diretores de harmonia tem que mostrar que são autoridades em quadra, sem contar com a labareda de vaidades que atrapalham quando alguém quer fazer acontecer com sabedoria.
 

Sabemos que tudo é muito difícil, mas nada é impossível, então o que devemos fazer é arregaçar as mangas e resgatar o que o nosso carnaval tinha de bom um dia.
E Viva samba!
 
 

* Iamara Nascimento é funcionária pública, foliã apaixonada pelo carnaval e pela Unidos da Piedade e Colunista do Site Viva Samba.
EM BUSCA DA CIDADE PROMETIDA II
ENSAIO TÉCNICO NA BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS
por Iamara
Nascimento
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