Sinal verde para o carnaval capixaba 2016. Essa é a sensação dos sambistas com o início dos ensaios técnicos que começaram ontem no Sambão do Povo. Lembro que os ensaios são primordiais para as escolas aprimorarem seus principais quesitos, assim como, detectar possíveis correções. Fazem parte do grupo de elite do carnaval capixaba: Mocidade Unida da Glória, Jucutuquara, Boa Vista, Piedade, Pega no Samba e Barreiros.
Boa Vista – A Boa Vista é a escola que mais me deixa curioso para o desfile oficial. Muito em razão da contratação do carnavalesco Petterson Alves, ex-Mug, e conhecido por seus carnavais grandiosos. Será que a junção de uma escola que nos últimos anos aprendeu a ser grande (e temida), com o melhor carnavalesco capixaba vai dar samba? E ainda temos a famosa frase para ilustrar a minha expectativa “ a vingança é um prato que se come frio”.
Para começar, o ensaio técnico da Boa Vista foi... Técnico. A agremiação de Cariacica levou um número pequeno de componentes, e atravessou o Sambão do Povo com sua costumeira organização. Esse ano me incomodou o canto fraco das alas, muito diferente do que estamos habituados em ver nos desfiles da escola.
A comissão de frente da Boa Vista foi uma das melhores coisas que vi passar pelos ensaios técnicos. Descontraída, divertida e leve. O sincronismo? Perfeito. A concepção? Excelente. E mesmo quando eu achava que algo estava errado... após conversar com o coreografo veio a resposta: nada mais, nada menos que uma “engenhosa” pegadinha. Comigo, com o público e com as interessadas co-irmãs.
A escola apresentou algumas alas de passo marcado, uma ala de baianas praticamente completa e uma estratégia de recuo que tem que ser melhor executada após a entrada da bateria (a compactação entre as alas deve ser mais rápida).
A apresentação do primeiro casal Diego e Vanessa somente serviu para me dar uma certeza: eles são de forma incomparável... os melhores do estado. Foi uma apresentação magnifica. Vibrante, hipnótica e espetaculosa. A sintonia, os passos característicos do casal, o cortejo. Tudo perfeito.
A bateria da Boa Vista apresentou uma “nova cara” em 2016. Uma apresentação mais técnica é menos ousada. E uma enorme preocupação em sustentar o samba com a mais perfeita harmonia entre os instrumentos, sempre preservando o seu andamento de forma regular.
O carro da agremiação passou de forma competente pelo Sambão do Povo. O samba da Boa Vista para 2016, apesar de ser mediano, se apresentou de forma funcional. A obra novamente apela para dois refrões “populares” e fáceis de cantar. Até mesmo na composição de sua letra, repleta de termos simples. E que apesar do samba ser totalmente adequado ao enredo, falta riqueza poética e bom gosto. Muito em razão do grande número de citações de cidades, algo totalmente irrelevante tecnicamente. Dois trechos melódicos se destacam: “Barcos ao mar, fogos anunciam é procissão” e “em Roda D´água eu sou mascarado/ Madalena dança o congo com seu gingado”.
Pega no Samba – A Pega no Samba fechou os ensaios técnicos com um interessante número de componentes e uma boa apresentação. Destaque para o carro de som e para a competente bateria do Mestre Jorginho.
Gostei demais da concepção da comissão de frente do Pega, uma síntese perfeita do enredo. Além disso, destaco o perfeito sincronismo dos componentes.
A apresentação do primeiro casal Kleyson e Tainá foi correta, mas deixou a desejar. É perceptível que o casal está ensaiado. Há certa sintonia, mas pecam justamente na técnica. Enquanto Kleyson é vibrante, Tainá é clássica. Com isso, há um visível conflito de estilos. Sinto a porta bandeira um pouco crua, tímida. Até mesmo nos movimentos (principalmente nos giros e meias-voltas), apesar de sua ótima postura na condução do pavilhão. E após as cabines de julgadores ela até se desenvolveu melhor, mas esse possível nervosismo tem que ser trabalhado até o desfile oficial.
A bateria desfilou com um enorme número de componentes, um andamento uniforme e uma apresentação técnica. Como todos sabem, a bateria de Mestre Jorginho é conhecida por sua perfeita harmonia na condução do samba, e não pela ousadia.
Não gosto desse “Frankenstein” que se tornou o samba da escola após o “suposto concurso”. Essa nova versão com trechos “daqui e dali” perdeu empolgação e se não fosse a atuação de Bruno Ribas (e do carro de som), facilmente iria “arrastar”. O primeiro refrão é muito bom. E não há dúvidas quanto a perfeita adequação da obra com o enredo, mas falta riqueza melódica ao samba. Principalmente nas primeiras linhas da segunda parte, onde “perde força”. Destaco positivamente o seu trecho final: “Tarde demais, o gênio se vai/ São várias histórias na lembrança/ Com honrarias e glórias ao Mestre da ecologia/ no seu centenário, a minha escola te faz poesia”.
Unidos de Jucutuquara – A Unidos de Jucutuquara realizou um ensaio técnico... Técnico. Organizado, com um grande número de componentes, imponente, mas fria. Poucas alas cantavam o ótimo samba desse ano. Em minha opinião, o melhor samba do Grupo Especial (a letra é primorosa).
A comissão de frente novamente foi um show à parte. Boa Concepção, sincronismo e criatividade. Já em relação ao primeiro casal Juliander e Gessya, tenho ressalvas. A exibição do casal é “clássica”, com movimentos bem definidos e seu bailado excessivamente técnico, marcado. Há sintonia entre casal (estão bem ensaiados), Gessya é uma das melhores do estado, mas a apresentação do mestre sala me incomoda. Falta espontaneidade em sua apresentação. Explosão. Reconheço sua postura elegante e seu estilo, mas em alguns momentos enxergo mais um bailarino do que um mestre sala.
A bateria do Mestre Genivaldo novamente optou por uma apresentação técnica e com poucas bossas. Sempre mantendo o andamento em conexão ao samba, e a sustentação de seu andamento durante toda a apresentação. O grande destaque do carro de som foi a ótima apresentação de Kleber Simpatia.
Um dos meus receios em relação ao desfile da Jucutuquara é a escola realizar um desfile “morno”. Apesar de possuir um grande samba, ele é dolente, melódico, e se o carro de som e a bateria não mantiverem uma “pegada” e os componentes não cantarem a obra, o samba pode “arrastar”, prejudicando as notas de harmonia e a evolução (quesitos importantes e subjetivos).
Unidos da Piedade – A Piedade também realizou um competente ensaio técnico. Organizada, com um bom número de componentes (apesar da chuva) e com destaque para sua bateria.
A comissão de frente, como é característica da coreógrafa Márcia Cruz, realizou uma apresentação de movimentos “limpos” e concepção singela, mas que retrata bem o enredo. Esperava mais.
Na ausência do primeiro casal, que até agora não sei quem é, o segundo se apresentou com enorme dificuldade, escorregando (literalmente) várias vezes em sua apresentação, devido é claro, a chuva e ao piso do Sambão do Povo, que quando chove (e como vimos de forma lastimável no ano passado), é impossível de se apresentar com qualidade. Alô Liesge/Lieses... atenção para isso!
O samba da agremiação fica devendo e muito em relação ao empolgante samba do ano passado. A obra possui três refrões, com destaque para o principal, totalmente entusiasmante (apesar do “vai tremer geral”). O samba apresenta uma letra excessivamente descritiva, e que por diversas vezes, traz informações que pouco acrescentam qualidade a obra. Deixando o samba longo e cansativo. Apenas funcionando para “citar” trechos do enredo, ao invés de o apresentar com riqueza poética. Apesar disso, o samba é funcional e tenta se manter “pra cima”, e para isso acontecer, tudo depende de uma boa atuação do carro de som da agremiação e sua bateria, uma das mais melhores que passou pelo Sambão do Povo.
Mocidade Unida da Glória – A Mocidade abriu os ensaios técnicos do Grupo Especial demonstrando todo o seu potencial para realizar um grande desfile e brigar pelo bicampeonato do carnaval de Vitória.
A comissão de frente, novamente coreografada pela competente Monika Queiroz, foi um show à parte. Apesar do grupo guardar segredos para o desfile oficial, é perceptível que irá utilizar elementos cenográficos em sua apresentação. Tenho que elogiar o ótimo sincronismo dos componentes e a grande qualidade de sua concepção. Pelo que vi no ensaio técnico, esse é o melhor trabalho da coreografa a frente da comissão de frente da escola. Foi uma apresentação brilhante, “de encher os olhos”, e muito possivelmente, a melhor que passou no Sambão do Povo até aqui.
O primeiro casal Naymara e David Tatu realizou uma competente apresentação, apesar de alguns “equívocos” quanto a coreografia. Mas nada que ofuscasse o bailado da dupla.
Uma das coisas que me incomodou no ensaio da MUG foi o excesso de alas coreografadas, que entendo eu, atrapalha o desenvolvimento do desfile (sua fluidez), o deixando excessivamente burocrático e “marcial”. E outro perceptível problema foi o canto da escola, muito fraco em diversos segmentos, inclusive na bateria. Justamente em um ano em que a escola “exalou” empolgação, vindas é claro, da excepcional apresentação da bateria do mestre Junior.
O maior destaque do ensaio foi a bateria, sendo assim, olhos e ouvidos de todos os espectadores ficam voltados para ela. E acabou sendo perceptível alguns equívocos na execução de algumas bossas (principalmente na retomada ao andamento original). A bateria manteve sua sustentação regular, apresentou toda sua ousadia e encantou a todos no Sambão do Povo. E na entrada do recuo, entrou de frente e sem problemas.
O samba enredo da escola se apresentou de forma eficiente, com ótima integração de seu carro de som com a bateria, e que apesar de achar que em alguns trechos sua “letra” deixa a desejar (fugindo um pouco do enredo), o seu conjunto é imponente. O samba possui dois refrões “fortes” e um andamento que facilita a empolgação tanto dos seus componentes, quanto do público espectador.
Unidos de Barreiros – A Unidos de Barreiros tem muito o que provar em 2016. Tem que demonstrar em seu desfile oficial se merece a oportunidade de estar desfilando no grupo de elite do carnaval capixaba, quando todos sabemos, não deveria estar ali. Além disso, as expectativas são baixas em relação a escola, muito em razão de seu histórico recente, repleto de altos e baixos. Quando não esperávamos nada da Barreiros, lá estava ela... campeã. Quando esperamos que a escola disputasse o título, problemas e mais problemas. Mas se julgarmos a Barreiros 2016 por seu ensaio técnico, deslumbro um desfile organizado, técnico e quem sabe, surpreendente. Aí entra o “calcanhar de Aquiles” da escola”: sua plástica (alegorias e fantasias). Pois se a Barreiros não vier competitiva nos quesitos artísticos, vai ficar muito difícil sua manutenção no Grupo Especial.
Um dos maiores trunfos da escola para 2016 é seu ótimo enredo que homenageia Martinho da Vila, mas na contramão disso, a escola tem um dos mais irregulares sambas desse carnaval. Os refrões são fáceis, entretanto, excessivamente simples em sua concepção. Assim como a letra do refrão do meio Canta, canta minha gente/ quero ver cantar, canta forte/canta alto que a vida vai melhorar”, que apenas reproduz um trecho da obra do homenageado. É uma obra leve, fácil de cantar e funcional. Tecnicamente o samba tem problemas em sua melodia (riqueza melódica) e em sua letra (criatividade, riqueza poética), mas ainda assim, como já disse, funcionou no ensaio técnico, resta saber o que os julgadores vão achar.
O carro de som da agremiação realizou uma competente apresentação, e assim como a bateria do mestre Reginaldo, se destacaram dentro no ensaio técnico. Aliás, a bateria da agremiação se apresentou com sua característica ousadia (e promete surpresas para o desfile oficial).
A Barreiros começou seu ensaio de forma incompreensível. A escola estava com um número pequeno de componentes (em comparação com a MUG), mas ainda assim, comissão de frente, mestre sala e porta bandeira e bateria não se apresentaram em sua totalidade em frente ao primeiro módulo julgador. Sinceramente não entendi. A comissão de frente mal se apresentou, e o que pude ver de sua coreografia foi nos outros módulos, que aliás, apresentaram contínuos erros de sincronismo e uma coreografia simples demais para o padrão do grupo especial.
O primeiro casal Edgar e Laís repetiram o erro da comissão de frente e não se apresentaram no primeiro módulo. E durante o ensaio, mostraram um pouco de sua apresentação “com alguns erros coreográficos” e a perceptível falta de entrosamento do casal. Que para quem não sabe, são recém contratados da escola.
E na entrada do recuo, coube a ala de baianas em fechar o espaço deixado pela bateria. É isso mesmo? As baianas vão compor o lugar da bateria ao entrar no recuo. Elas que vão ter que correr? (lembrando que é uma ala repleta de senhoras). Se for isso, não sei se é uma boa ideia. E a escola pode perder preciosos pontos em evolução, já que há uma cabine julgadora em frente ao recuo.
Gustavo Fernando.
* O Colunista Gustavo Fernando é Jornalista, Crítico de cinema, Compositor de Samba e Pesquisador de Carnaval.
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